INCERTEZA E VOLATILIDADE: PARA ONDE VAMOS?
Na sequência da vitória nas presidenciais norte-americanas de Donald Trump, tendo em conta as promessas eleitorais, era de esperar um 2025 particularmente difícil e desafiante, a que se juntaram a escalada na guerra da Ucrânia e o conflito de Israel com o Hamas. Perdido o Mar Negro, pese embora as Vias de Solidariedade apoiadas pela União Europeia tenham mitigado os estrangulamentos nas exportações ucranianas, as rotas pelo Mar Vermelho também ficaram em risco, com a consequente perturbação na logística de abastecimento.
A Presidência Trump na sua versão 2.0, cedo mostrou que era bem diferente do primeiro mandato na Casa Branca e se manteve a postura do passado no que respeita à crítica perante o funcionamento de algumas organizações internacionais, como as Nações Unidas ou a NATO, elegeu a guerra tarifária como grande bandeira. O objetivo era (e é) bastante claro: reduzir o déficit comercial, crónico com alguns países, com a imposição de tarifas recíprocas, ou de taxas aduaneiras a produtos que os EUA consideram essenciais para o seu crescimento económico.
A nova postura passou a ser marcada por uma “diplomacia transacionável”, em que tudo era (e é) negociável. No entanto, tratando-se de um país claramente exportador, no que respeita ao agroalimentar, os riscos de retaliação e de contratarifas eram evidentes, criando enormes perturbações no comércio mundial, para além das relações com os habituais parceiros, dos quais a União Europeia, Reino Unido ou a China. Pelo caminho, a mediação, direta ou indireta, em quase todos os conflitos a nível mundial, com destaque para a Rússia, na guerra com a Ucrânia, ou com Israel, no conflito israelo-palestiniano, sendo evidente uma bipolarização interna, que não deixa de influenciar a geopolítica mundial.
Note-se, no entanto, que a nova “abordagem” da Administração norte-americana, não raras vezes com um discurso realista e assertivo – a forma já é discutível, para o bem e para o mal – veio expor as enormes fragilidades dos políticos europeus e a estratégia da União Europeia.
Um desses exemplos foi a Cimeira da Nato, em Haia, onde ficou consagrada a meta de investimentos de 5% do PIB de cada aliado em defesa e segurança, até 2035, colocando-se desde logo a questão dos recursos disponíveis e se faz sentido sacrificar políticas consagradas como a saúde, segurança social, infraestruturas básicas, agricultura e alimentação, para financiar uma política de defesa comum para fazer face a ameaças externas que têm de ser levadas muito a sério.
E tivemos o acordo com os EUA que está ainda longe de ratificado, que impõe tarifas de 15% à maior parte de bens essenciais, mas que dificulta setores europeus que são tradicionalmente exportadores como os vinhos. Felizmente para a nossa Indústria, matérias-primas essenciais como a soja ou o milho ficaram de fora das tarifas e esperam-se contingentes de importação sem direitos para aditivos essenciais. Registe-se ainda que no acordo estão incluídas referências ao EUDR e às Novas Técnicas Genómicas, o que é muito positivo.
Entretanto, as importações europeias da China nos aditivos começam cada vez mais a serem confrontadas com direitos antidumping, onerando os custos da alimentação animal.
Conscientes de que temos (mesmo) de encontrar alternativas ao que em tempos foi “o amigo norte-americano”, a União Europeia acelerou os acordos comerciais com o Mercosul, Canadá, México, Chile, conversações com a China ao mais alto nível, reforçando a aposta no multilateralismo. Ao abrir os mercados, confrontamo-nos com eventuais tensões, sobretudo no âmbito do Mercosul, em que a agricultura pode ser perdedora, se não forem acuteladas medidas de salvaguarda e a negociação de regras idênticas aos operadores europeus e os seus congéneres de países terceiros.
Na sua “onda ambientalista”, pese embora alguns recuos para um quadro mais realista, a União Europeia insistiu até há bem pouco tempo com o EUDR, contra os avisos de inúmeros setores e da maior parte dos Ministros da Agricultura (incluindo Portugal), o estudo de impacto da FEFAC e os países exportadores que consideram não ter condições de cumprir os requisitos. Com a proposta de adiamento por mais um ano a ganhar forma, estamos no caminho certo, mas temos mais um foco de instabilidade.
Perante todos estes acontecimentos, sobretudo com ameaças da China a não comprar produtos agrícolas dos EUA, em que os BRIC tendem a ganhar peso político à escala mundial, em que as políticas europeias e norte-americanas são, não raras vezes, erráticas e contraditórias, vivemos uma conjuntura complicada, volátil e incerta e ninguém consegue prever como tudo irá evoluir no médio e longo prazo.
As ameaças à Europa nunca foram tão reais e é preciso lembrar que a segurança alimentar é essencial para a sua segurança e defesa. O ambiente é importante e não pode ser descurado, mas também não podemos esquecer que a produção de alimentos é a função principal da agropecuária e que a alimentação animal assume um papel fundamental na cadeia alimentar.
Nesta perspetiva, o que podemos fazer no imediato é o reforço do que temos vindo a fazer ao longo do ano: uma aposta na sustentabilidade e na competitividade, mostrar que a inovação e a adoção de novas tecnologias, incluindo a digitalização e a IA, a economia circular, são essenciais para essa mudança.
No entanto, para que tal aconteça temos um longo caminho a fazer em toda a Fileira, com a investigação e a academia, e os decisores políticos têm de assumir maior cumplicidade e dotar a PAC de instrumentos financeiros que suportem o rendimento dos agricultores e o investimento nas empresas. O relatório Draghi deve ser relembrado e executado para não ficarmos ainda mais distantes dos EUA e da China.
Faremos, como sempre, o nosso trabalho. Só esperamos que os políticos, nacionais e europeus se centrem no essencial, que simplifiquem os procedimentos e aliviem o monstro burocrático. Em suma, que não atrapalhem o dia-a-dia das empresas!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA

