Desafios e Incertezas para 2023

Já foi amplamente reconhecida e propagandeada, até à exaustão, a resiliência do setor agroalimentar nos últimos 3 anos, na pandemia, em 2020 e 2021, e no ano de 2022, igualmente de má memória, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, nesta Guerra na Europa, que parece ainda longe do fim.

Uma resiliência assente na capacidade de enfrentar as adversidades – para além dos conflitos, tivemos a seca extrema e os apoios que tardaram em chegar, sempre insuficientes -, de adaptação às novas e exigentes condições de mercado – nunca antes vividas na nossa história coletiva – na coragem de não desistir, com uma estratégia de cooperação ativa, de responsabilidade e maturidade, em que a soberania alimentar e a preocupação de produzir alimentos, com qualidade e segurança, para animais e humanos foi sempre o principal objetivo.

Sem perder de vista o nosso grande desígnio, não raras vezes objeto de críticas quanto à forma como produzimos, sobretudo nos produtos de origem animal: a soberania alimentar.

Durante este período, a União Europeia não deixou de legislar ou apresentar propostas, algumas contraditórias, de combate às alterações climáticas ou centradas nos temas ambientais, como as Estratégias para a Biodiversidade ou “Do Prado ao Prato”, na saúde, como a utilização sustentável dos pesticidas ou a redução dos limites máximos de resíduos, uma nova PAC, a nova legislação sobre alimentos medicamentosos e medicamentos veterinários, ou ainda, mais recentemente, já no final do ano, a aprovação da legislação sobre as cadeias de abastecimento livres de desflorestação, protegendo as florestas.

Com a guerra e a vulnerabilidade face à Rússia, como ainda existe relativamente à China e a outras geografias, a braços com uma crise energética, a Europa descobriu que tem de ganhar autonomia estratégica porque para além da estabilidade, quer ter um papel relevante na geopolítica mundial e na cadeia alimentar global.

Sendo muito relevante evitar tamanha dependência e apostar na diversificação, mas o facto é que pouco se falou na reindustrialização da Europa. Convém ainda perceber que a União Europeia não é uma ilha e que os impactos das suas políticas influenciam desde logo as empresas no mercado europeu e a sua competitividade face aos principais competidores, bem como as trocas comerciais globais, criando potenciais disrupções no funcionamento das cadeias alimentares. Desde logo na cadeia da alimentação animal.

Esta é uma preocupação evidente no quadro das relações internacionais onde a IACA tem participado, pelo que temos apelado a uma harmonização de regras e a um consenso político a uma escala mais global, sobretudo ao nível de parceiros confiáveis, como tem sido o caso dos EUA, e no âmbito das organizaçõessupranacionais como as Nações Unidas ou a OMC.

É inegável que a Indústria vai investir na mitigação do seu impacto no ambiente, na medição da pegada ambiental, como de resto é o Tema de Capa desta edição da “Alimentação Animal”, na economia circular, na redução das emissões de GEE, na procura de matérias-primas de produção sustentável e responsável, nasmelhores práticas de saúde e bem-estar animal, nas Melhores Técnicas Disponíveis.

Como todas as alterações profundas têm um custo, importa saber se numa conjuntura de alta de preços e perda de rendimentos, se os acréscimos previstos irão ser remunerados pelo mercado, ou se vão ser objeto de políticas públicas, no PEPAC ou nos fundos europeus para o horizonte 2030, até porque estão em causa os desafios da própria Sociedade.

Nesta perspetiva, seria importante clarificar, de uma vez por todas, junto dos decisores políticos e da opinião pública e publicada, que a sustentabilidade não se deve limitar às questões ambientais e das alterações climáticas, mas que tem de ser um equilíbrio entre as componentes ambiental, económica e social.

Quando atingimos os 8 mil milhões de habitantes no nosso planeta, que vão viver mais anos e, assim o esperamos, melhor que as gerações anteriores, é inegável que a União Europeia (e Portugal) tem de ter a ambição de desempenhar um papel ativo e não irrelevante, para ser levado a sério no abastecimento
alimentar a nível mundial.

Para o próximo ano e seguintes, de toda a panóplia legislativa, talvez o mais relevante seja a implementação da PAC, que incorpora a Estratégia “Do Prado ao Prato” e a “perigosa” e não vinculativa meta dos 25% para a agricultura biológica, a biotecnologia, com as novas técnicas genómicas, a desflorestação (novo Governo no Brasil, como vai reagir?) e, quiçá ainda mais importante, a aposta na bioenergia e nas energias renováveis, com a nefasta concorrência entre as matérias-primas para a produção de energia (biocombustíveis ou biometano) e as destinadas à alimentação, animal e humana, na qual a utilização de coprodutos para a alimentação animal podem estar em causa. E com ela a aposta na economia circular que tem sido um dos principais pilares da Indústria da Alimentação Animal.

Em 2023, não podemos deixar de fora a segurança do abastecimento, em termos de “food security”, os stocks estratégicos e a soberania alimentar. Já temos em Portugal demasiadas ameaças de que são exemplo a instabilidade permanente nos portos e o seu impacto nas operações portuárias, com sucessivas greves, os eventuais cortes previstos por Bruxelas no cofinanciamento dos controlos oficias e de combate às doenças animais ou ainda, a transferência de funções do Ministério da Agricultura e Alimentação, entre outros, para as CCDR.

Neste clima de incerteza e volatilidade, sem uma tutela forte e coesa, seja na Agricultura, Economia e Ambiente, de cooperação e cumplicidade com os agentes económicos, sem políticas coerentes e integradas, sem empresas viáveis ou consumidores que não podem adquirir os produtos que produzimos, a sustentabilidade não faz qualquer sentido.

Necessitamos de maior conhecimento e base científica na definição das políticas públicas.

Sem demagogia, hipocrisia e populismo.

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA