O recente chumbo da proposta do orçamento de Estado para 2022 coloca Portugal, novamente e prematuramente, no caminho de mais uma eleição legislativa. Mas desta vez, as eleições colocam-se num ambiente rodeado de expectativas, de dúvidas, de receios e de anseios ao nível económico, mas também ao nível social e ambiental.

O regresso à decisão soberana da sociedade portuguesa para a escolha da composição do Parlamento e do novo Governo, apresenta-se num quotidiano pautado por uma crescente fratura dentro da sociedade, no que diz principalmente respeito aos seus costumes, tradições e liberdades de escolha.

E é efetivamente nas questões fundamentais das liberdades de escolha que se nota um maior crescimento dos movimentos e ideologias que, estranhamente, vão ganhando terreno e importância política num conceito de democracia que se vem deteriorando e dissipando. Direitos, liberdades e garantias que vão-se envolvendo numa neblina turva que anda de mãos dadas com o dito “politicamente correto” e com uma perceção deturpada de uma representatividade que se esfuma fora da componente viral das redes sociais.

Alguns dos exemplos mais importantes da forma como a pressão tem sido exercida, e usada como ferramenta política, têm sido a questão básica e fundamental da alimentação, em particular nas questões da alimentação com proteína animal; as questões do bem estar animal, extrapoladas para um conceito de humanização dos animais, onde as questões pertinentes são ultrapassadas por conceitos inadequados e disfarçados no seu fundamento; as questões relacionadas com a conservação da natureza e a promoção da biodiversidade, escolhendo como alvo preferencial a agricultura e a pecuária, mas também a caça e a sua gestão cinegética, ofuscando o seu papel positivo na gestão de habitats e no sucesso do seu trabalho em prol da recuperação da biodiversidade, como são os casos do sucesso da reintrodução do lince ibérico na natureza e da preservação do abutre-negro ; bem como a floresta, onde o erro do ataque cerrado a determinadas espécies geradoras de emprego para o país, rendimento para dezenas de milhares de pequenos produtores e que estão na base de uma das mais sofisticadas e exportadoras indústrias nacionais, ofusca a verdadeira essência do problema e das próprias soluções, que assentam nas premissas da gestão sustentável dos recursos e no ordenamento do território.

Estes temas têm sido sujeito a enormes pressões políticas e sociais usando como principais argumentos as questões ambientais, as questões da saúde e o reforçado conceito radical animalista, por motivos de geringonças políticas contrárias à realidade da sua representatividade na sociedade (como ficou patente no resultado eleitoral autárquico, onde, por exemplo, o PAN, teve uns escassos 1,4% dos votos), mas reforçada por um cálculo matemático que aprovava orçamentos, pelo menos no cenário prévio à dissolução do Parlamento. Contudo, se no caso dos dois primeiros fatores, existe uma análise que necessita de cuidada e integrada reflexão baseada em conceitos científicos, no conhecimento, na técnica, no diálogo entre especialistas e academia, no caso dos radicalismos animalista e ambientalista a reflexão está totalmente alheada da discussão, que se apresenta com um conceito proibicionista, ditatorial e unilateral de uma imposição ideológica. Uma verdadeira imposição de gosto, que na sua essência pretende matar liberdades fundamentais.

Mas, a referida fratura na sociedade não termina exclusivamente com questões ambientais, ou com a forma enviesada como as mesmas são usadas contra a maioria das atividades do mundo rural, estendendo-se por outras questões do já referido “politicamente correto”, onde temos assistido nos últimos anos a um rol de propostas legislativas na Assembleia da República e por parte do Governo, que assentam em argumentos empíricos, tendenciosos, e com informação contestável, não suportada em quaisquer estudos científicos e nem fundamentada na legislação em vigor nacional e comunitária. O que nos deixa com a questão do momento para toda uma sociedade que vive e usufrui de, e para, o mundo rural, ou seja: eleições à porta, e o mundo rural, em quem vota?

Como ficam as questões da sustentabilidade económica, social e ambiental do mundo rural no atual e futuro panorama político?

O panorama político atual apresenta-se com uma imagem dúbia sobre em quem confiar os votos e os destinos de uma considerável parte do território português. Terminamos uma legislatura e viramos a página de um passado recente onde, por exemplo, o apoio histórico de partidos tão opostos como o CDS e o PCP se manteve incólume na defesa do mundo rural e das suas atividades, costumes e tradições.

Partidos como o Chega e a Iniciativa Liberal, de uma forma direta ou indireta, apresentam-se como apoiantes dos sectores do mundo rural, mas passados os dois últimos anos de legislatura, não foram muitas as ações em defesa ou promoção dos mesmos no Parlamento (compreendendo que apenas com um deputado sejam muitas as matérias políticas de intervenção, ainda assim, teria sido positivo mais empenho nesse apoio). O posicionamento das suas linhas orientadoras vai mostrando-se neste início de campanha, mas é importante que o mesmo esteja bem refletido nos seus programas eleitorais e nos seus compromissos futuros.

Ao longo dos últimos anos, os partidos de maior representação no Parlamento, como o PS e o PSD, apoiaram os sectores do mundo rural em muitos dos ataques que o mesmo sofreu dentro da Assembleia da República (que não foram exclusivos do PAN, e onde o BE deu muitos ares da sua graça), mesmo com a dificuldade crescente para os seus deputados eleitos pelas zonas mais rurais, e com a perceção clara da realidade, mas a braços com a imposição do “politicamente correto” dentro das suas bancadas, com uma visão mais concentrada no sistema eleitoral português que relega o interior e a ruralidade para um papel secundário na representatividade parlamentar e no desenho dos futuros governos. Não deixam de ser surpreendentes, por isso, as declarações do atual Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, ou do candidato à liderança do PSD, Paulo Rangel, que assumem despudoradamente, apenas por motivos de cálculo eleitoral, a possibilidade de acordos e coligações com o PAN, caso o necessitem para atingirem o poder, excluindo outros partidos, segundo eles, pela falta de espírito democrático dos mesmos. Relegando-nos para a perplexidade do desconhecimento, ou da necessidade de esconder o conhecimento, de todas as ações de cariz proibicionista, radical, ditatorial e antidemocrático do PAN nos últimos 6 anos na Assembleia da República. De repente, o PAN – o radical, proibicionista e autoritário PAN – é cobiçado pelos dois partidos que, alternadamente, governam Portugal desde a instauração da democracia? Dá que pensar, não dá?

Será que vale tudo em política? Será que compensa ignorar uma considerável fatia da sociedade que vive, usufrui e apoia o mundo rural e muitas das suas atividades, que são atualmente perseguidas por estes movimentos que não descolam nas sondagens, e muitas vezes perdem mesmo representatividade, em benefício dos votos de uma minoria para garantir o poder?

O caminho passa por exigir o direito à informação do posicionamento de todos estes partidos na defesa do mundo rural e das suas atividades, costumes e tradições. Saber, preto no branco, se vale a pena votar em determinados partidos correndo o risco que esses mesmos partidos coliguem com quem nos ataca com base em ideologias. Saber quais os partidos que irão realmente colocar os seus líderes e principais figuras a falar de agricultura, de pecuária, de floresta, de caça, de tauromaquia, de costumes e tradições. Procurando consensos com os responsáveis por cada sector, evoluindo no caminho certo, procurando soluções, procurando melhorias, apostando na sustentabilidade dos três pilares: o económico, o social e o ambiental.

Mas não revertendo posteriormente os seus princípios, vendendo-se a troco de votos de 2 ou 3 deputados, para alcançar o poder a todo o custo, depois de já terem recebido os votos de quem confiou neles para defender o nosso modo de vida e o nosso papel perante a sociedade e para com a mesma.

Venha a campanha eleitoral, venham as promessas, venham as clarificações, venham os esclarecimentos das posições já tomadas. Cá estaremos para decidir, mas cá estaremos também para exigir e para contestar, assim seja o caso.

85% do território português é rural e não pode ser ignorado!

António Paula Soares
Presidente da Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade (ANPC)

Fonte: Agroportal