A propósito de um título na imprensa onde se afirmava que …apesar dos milhões da PAC as raças autóctones caminham para a extinção, muitas só existindo por carolice.., não se pode deixar de lembra que também os Agricultores autóctones vão pelo mesmo caminho, muitos só persistindo por brio e carolice.

Conjugando-se um conjunto de fatores negativos, depreciativos, contra o setor agrícola e em especial contra o Agricultor autóctone, constata-se que temos cada vez menos explorações e agricultores ativos, mais velhos e desmotivados. Segundo o PORDATA, entre 1989 e 2016 o número de explorações agrícolas passou de 594.418 para 286.191, seguindo a mesma tendência o número de dirigentes de explorações agrícolas que passou de 598.742 para 290.229, correspondendo a um abandono de 308.513 agricultores. Com a entrada em força, no sector agrícola, dos fundos de investimento, inicialmente no Alentejo, na zona de Alqueva e agora a alastrar-se a todo o Pais, este número de agricultores vai ainda diminuir consideravelmente. Não está a ser difícil convencer a vender e reformar-se, quem está desmotivado e não tem perspetivas de futuro positivas neste setor de atividade.

Em 2022, segundo o INE, a perda de rendimento da atividade agrícola foi de 11,8 %, algo que não acontecia desde 2011. Se porventura recebesse um ordenado, o Agricultor autóctone teria mais um corte no rendimento, quando tudo está a aumentar (e não adianta fazer greve). Num ano em que se estava a sair de uma pandemia, em que se iniciou uma guerra e se sentiram de imediato aumentos bruscos nos fatores de produção e em que as adversidades climáticas, nomeadamente a seca, foram castigadoras, já se anteviam prejuízos. O Ministério da Agricultura pouco ou nada fez para minimizar esta situação.

A nossa história diz-nos que o Agricultor autóctone está acostumado a contrariedades, sendo bastante resistente, sobretudo às adversidades agronómicas e meteorológicas. É essa a perspetiva do nosso governantes: eles aguentam. No entanto, o Agricultor autóctone suporta muito pouco a burocracia, as condicionalidades e outras imposições que, sendo absurdas e mal calculadas manietam e encarecem a sua atividade, isto é, produzir alimentos. Nos últimos anos, uma política agrícola desfasada da realidade e um Ministério da Agricultura moribundo, completamente alheado da vida real do Agricultor autóctone, não têm ajudado nada a sobrevivência desta espécie. E é notório que o Agricultor autóctone tem dificuldade em reproduzir-se num contexto desfavorável, pelo que todos os anos o seu número vai diminuir, porventura até quase à extinção, reduzindo-se drasticamente a produção de alimentos em Portugal.

Mas eis que nos primeiros meses de 2023 se começa a constatar que, em resultado da escassez de alimentos provenientes do Agricultor autóctone, de uma excessiva dependência do exterior e de uma política agrícola desastrosa, começam a faltar alguns bens alimentares e outros atingem preços muito elevados.

Como seria de esperar, o Ministério da Agricultura, perante a pressão da opinião pública, vai iniciar a “caça” aos responsáveis por estes “aumentos absurdos” dos alimentos. Quem está a ganhar com o aumento dos preços?? Serão as grandes cadeias de distribuição, serão os transportes, a logística, … ou será o Agricultor autóctone? Há que fiscalizar, criar observatórios e comissões, tudo para baralhar e desviar atenções da realidade.

O Agricultor autóctone já está acostumado a custos elevados dos fertilizantes, pesticidas, sementes, máquinas, oficinas, plásticos, mão de obra, a que tem de acrescer a segurança social, o IVA, IRC, IUC, ISV, IS, IEC, IMI, IMT, TRH, e ainda taxas e mais taxinhas dos serviços centrais e regionais, que mais não são que impostos encapotados. O Agricultor autóctone já está acostumado a combustíveis e eletricidade que, mais que líquidos e gasosos são incorporados por aditivos fiscais.

O Agricultor autóctone já não está a aguentar é os cortes nas ajudas comunitárias, os atrasos nos pagamentos, as desigualdades perante os outros agricultores da União Europeia, os projetos reprovados ou protelados, as regras absurdas, os entraves sistemáticos à sua atividade, a falta de diálogo, o distanciamento e a insensibilidade de quem administra o Pais para com a sua função principal: produzir alimentos.

Apesar de tudo o Agricultor autóctone é feliz quando está no campo e sente o vento, tanto faz frio ou quente, é feliz quando lavra, quando semeia, e sobretudo é feliz quando as coisas correm bem e chega a altura das colheitas. O Agricultor autóctone detesta fazer contas porque sabe que se as fizer chega à conclusão que muitas vezes está a trabalhar para aquecer e quantas mais contas faz pior é. O Agricultor autóctone fica muito triste e revoltado quando vai ao supermercado e vê que o que vendeu a 10 está a ser vendido a 100. O Agricultor autóctone não gosta de ir a manifestações, porque quando lá está lembra-se que tem tanto que fazer e tudo se vai atrasar.

Mas o que o Agricultor autóctone gosta é do mundo rural, das suas tradições, dos seus amigos e dos convívios, onde mais do que lamentos partilhados, se sente que apesar dos sacrifícios, produzir alimentos e estar em contacto com a natureza é um modo de vida que vai tentar levar até ao fim. Por falar em amigos, o Agricultor autóctone, soube recentemente que, com a inflação a 8% o Governo vai aumentar em mais de 100% a tarifa do fornecimento de água de Alqueva, sem se preocupar com o Agricultor autóctone e o impacto no preço dos alimentos. Com amigos destes…

De facto, só não percebe este aumento dos bens alimentares quem não quer ver a realidade.

Mas não há alternativa ao Agricultor autóctone que venha trabalhar a terra e produzir em quantidade e qualidade, com regularidade a preços baixos? Há, mas não é a mesma coisa. Falta o brio e a carolice…. e desistem rapidamente à menor adversidade.

Nota: a expressão Agricultor autóctone, inclui homens e mulheres que vivem da terra, que com o seu sacrifício e suor sustentam as suas famílias, sentindo respeito e admiração pela natureza que tanto lhes proporciona.

Ilídio Martins
Presidente da AG da AlenSado, Cooperativa Agrícola do Sado

O artigo foi publicado originalmente em AlenSado.

Fonte: Agroportal