A ideia inicial para esta semana seria escrever sobre as principais conclusões do Conselho Agrícola de 21 de junho, na linha das expectativas da semana anterior, mas com uma guerra em plena Europa, entre Rússia e Ucrânia, e com as retaliações e sanções a que vamos assistir – que tenderão a afetar mais os europeus do que os russos por causa da nossa dependência energética e de matérias-primas, onde se encontram os cereais (sobretudo o milho), mas também as oleaginosas, como a colza ou o girassol, e os fosfatos e fertilizantes – tudo isso parece ter-se apagado, pelo aumento da incerteza e volatilidade, sem precedentes num passado recente.
A manter-se a situação de guerra, a indústria da alimentação animal pode vir a confrontar-se, no muito curto prazo, com uma conjuntura de maior escassez ou mesmo de inexistência de matérias-primas para o fabrico dos alimentos para animais, o que seria inimaginável há poucos dias.
Sem pretender criar qualquer tipo de dramatismo ou de alarme, o prolongar desta crise, sem medidas conjuntas e coordenadas à escala da União Europeia e dos seus aliados, pode parar a produção de matérias-primas para a alimentação animal.
A Ucrânia é o grande celeiro da Europa e Portugal depende daquele país em mais de 40% no aprovisionamento de milho, 50% no caso da colza.
Com as infraestruturas portuárias ucranianas a serem alvos estratégicos e stocks relativamente reduzidos no nosso país, a situação tende a ser de autêntico pesadelo deixando de ser uma questão de preços, mas simplesmente de disponibilidade.
Já hoje demos nota destas preocupações ao Secretário de Estado da Agricultura, com quem estamos em contacto permanente, bem como ao nível da FEFAC, com uma reunião urgente de um Grupo de Emergência.
A agenda do último Conselho Agrícola já dava nota das dificuldades e preocupações dos agricultores e produtores pecuários, levadas a Bruxelas pela voz dos respetivos Ministros da Agricultura. Para a Indústria, como aqui demos nota na semana passada, era da maior relevância conhecermos a posição da Ministra Maria do Céu Antunes em dossiês como a desflorestação (cadeias de abastecimento livres de desflorestação), a crise da suinicultura e a seca, aqui com o apoio do seu homólogo de Espanha.
Pese embora os resultados conseguidos, claramente aquém do desejável e das necessidades portuguesas, é justo referir que, em nossa opinião, Portugal teve um bom desempenho neste Conselho, defendendo os argumentos nacionais e dos agricultores de uma forma clara.
No caso da seca, ficou bem vincado o apoio do Ministro espanhol, bem como a solidariedade do Conselho e do Comissário da Agricultura às posições portuguesas. No entanto, as medidas concretas ainda estão a ser negociadas, apesar de terem sido anunciadas um conjunto de medidas de âmbito nacional, como o reforço das ajudas no quadro do desenvolvimento rural para agricultores e produtores pecuários, ou derrogações que ainda carecem da luz verde de Bruxelas. Entretanto, sabemos que as organizações agrícolas já apresentaram um conjunto de propostas concretas, para as quais é urgente o Governo dar respostas.
Relativamente à desflorestação, é de destacar a posição crítica do nosso País quanto às propostas da Comissão relativamente às cadeias de abastecimento livres de desflorestação. Portugal referiu a necessidade de clarificar as definições, os custos decorrentes dos controlos e das auditorias, os impactos no abastecimento de matérias-primas para a alimentação animal, as incoerências relativamente à PAC, as questões ligadas às trocas comerciais e as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Também as relações com os países terceiros, a preocupação com o montado e com os sistemas agro-silvo-pastoris foram abordados.
É de registar que estas críticas não foram partilhadas pela generalidade dos membros do Conselho, o que se estranha e lamenta. A Presidência francesa relembrou, nas conclusões oficiais, que a proposta da Comissão vai ser objeto de apreciação no dia 17 de março, ao nível do Conselho do Ambiente. Nesta perspetiva, talvez devamos incluir a carne de frango e de suíno na lista de produtos, para que exista maior justiça e equidade nas importações.
Na discussão sobre a situação dos mercados agrícolas, foram destacadas uma série de preocupações, em particular o impacto do aumento dos custos energéticos, dos fertilizantes e da alimentação animal. A Polónia falou dos problemas que a suinicultura enfrenta em toda a Europa, retomando o ponto de situação apresentado nas reuniões anteriores do Conselho – que, entretanto, se agravou -, tendo sido apoiada por outros Estados-membros.
Uma vez mais, a Comissão não mostrou quaisquer sinais ou vontade de avançar numa posição comum. A decisão foi a criação de um Grupo de Alto Nível para o setor da suinicultura, que vai trabalhar para apresentar soluções de médio e longo prazo (!) para a crise atual. A triste conclusão que retiramos é a de que para mitigar os problemas de curto prazo têm a palavra o mercado, que tudo ajusta e resolve, e as ajudas nacionais!
Neste momento, o grande obstáculo à resolução ou mitigação das questões de curto prazo tem a ver com a Comissão Europeia, e mesmo as principais conclusões do Conselho Agrícola indiciam uma fragilidade do setor agrícola comparativamente a outras áreas, como o ambiente e o clima, a saúde ou a proteção dos consumidores.
As medidas nacionais, algumas sujeitas ainda a ratificação de Bruxelas, outras como a eletricidade verde ou as ligadas a questões de âmbito social, como a isenção da TSU, que podem ter de transitar para o próximo Governo, são consideradas como paliativos. Mesmo uma linha de crédito, agora a ter de ser repartida com os produtores de leite e eventualmente outros setores com os critérios “de minimis”, terão sempre uma eficácia muito reduzida porque poderão abranger um número limitado de beneficiários. E como eram importantes ajudas robustas para toda a pecuária, designadamente para o abeberamento e alimentação animal!
Agora, com a guerra aberta pela Rússia e a crise na Ucrânia, estamos, infelizmente, num novo e perigoso patamar, cuja solução tem de passar por uma liderança de Bruxelas e por ajudas comuns, designadamente no âmbito do Mecanismo Europeu de Preparação e Resposta a Crises de Segurança Alimentar que resultou do famoso Plano de Contingência.
A IACA já levou estas questões à FEFAC e ao Governo, estando a trabalhar com a FIPA num conjunto de medidas de mitigação.
Na próxima semana, irá decorrer em Paris uma reunião do Board da FEFAC e do seu Comité Diretor (que reúne as grandes empresas europeias do setor), com a presença do Ministro francês da agricultura.
Urge avançar, também da parte do Governo de Portugal, antes que seja tarde de mais.
A conjuntura atual configura claramente uma crise de segurança alimentar, mas, aparentemente, isso parece não perturbar os decisores europeus.
No entanto, ainda existe a esperança de que estejam à altura dos acontecimentos.
É o mínimo a que podemos ambicionar.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA