A semana que hoje chega ao fim foi marcada por alguns temas que não deixarão de influenciar o ano que se avizinha: a aprovação, pelo Conselho, do Plano de Contingência da União Europeia; as reações de algumas cadeias retalhistas relativamente ao tema da desflorestação; e o anúncio da subida de 3 cêntimos aos produtores de leite, a partir de janeiro.

Quanto ao Plano de Contingência, importa saber que o mesmo é o resultado de reuniões entre a Comissão, os Estados-membros e as partes interessadas, no quadro do reforço da preparação e da capacidade de resposta e resiliência perante situações de catástrofe, como a que ainda estamos a ultrapassar. A resposta coletiva da UE terá como principal objetivo assegurar uma autonomia estratégica em termos alimentares e, desde logo, em matérias-primas de base para a alimentação humana e animal, cumprindo com as metas definidas na Estratégia “Do Prado ao Prato” e com os Planos Estratégicos da PAC.

Aqui reiteramos, não só a defesa dos stocks estratégicos, nomeadamente de cereais – no qual somos fortemente deficitários -, como também uma cooperação nacional e internacional para que a Europa seja menos dependente de países terceiros, o que infelizmente ainda está longe de acontecer. Veja-se, por exemplo, a dependência em relação à Ásia e designadamente a China, em aditivos, vitaminas ou aminoácidos, ou no continente americano, os EUA, Brasil e Argentina, relativamente à soja. A disrupção a que temos assistido nas cadeias de abastecimento – o facto mais dramático de 2021, com as consequências no plano da logística ou a crise energética – obriga-nos a estar atentos a este Plano e a reivindicar para a Europa, um papel que tem vindo a perder no panorama mundial: apesar de grande exportador, quer de cereais (trigo), quer ao nível do setor agroalimentar, a União Europeia, sendo igualmente um mercado relevante em termos de importação, tem sido um intérprete menor na conjuntura mundial no que respeita aos preços das principais matérias-primas. A deslocalização de setores para outras geografias, e agora, do consumo, é o preço que estamos a pagar.

Será que ainda vamos a tempo de inverter esta tendência e de apostarmos na industrialização, naturalmente mais verde, pelos compromissos ambientais e de sustentabilidade? A descarbonização, a inovação e a procura de soluções tecnológicas, ou a imposição de regras de segurança, taxas de carbono, direitos humanos, ambiente, em consonância com as exigências europeias, bem como a logística, podem representar novas oportunidades e investimentos. Assim existam ambição e recursos!

E, se a aposta é a diminuição da dependência e estarmos mais bem preparados para enfrentar crises – sejam de ordem sanitária, em animais ou humanos, ou provocadas pelas alterações climáticas -, ainda vamos necessitar de matérias-primas que, por diferentes razões, de solo ou clima, não podemos produzir, e que são determinantes para a sustentabilidade da alimentação animal e das produções de carne, leite e ovos.

É o caso da soja que, no contexto atual, não tem alternativa, seja de preço ou na sua componente nutricional, pese embora a promoção das proteaginosas, das farinhas de carne, ou dos insetos e algas que necessitam de tempo para se afirmar e de escala para serem atrativas. Por ora, estarão sempre destinadas a nichos de mercado, perfeitamente legítimos e que a indústria deverá explorar como novas oportunidades. No entanto, é absolutamente essencial continuar a garantir a importação de soja, sem disrupções, evitando ainda mais instabilidade e incerteza.

Vem isto a propósito do tema da desflorestação, da recente estratégia da Comissão Europeia sobre as cadeias de abastecimento livres de desflorestação e o facto de algumas cadeias retalhistas europeias estarem a boicotar, por exemplo, carne de bovino proveniente de zonas desflorestadas.

Consideramos como positivo o facto de a Europa querer assumir a liderança do combate à desflorestação e assegurar a proteção das florestas, mas as propostas recentemente apresentadas necessitam de medidas proporcionais e exequíveis, de monitorização e de ações de cooperação nos países de origem. Tal como foi definido, a segregação prevista compromete a rastreabilidade, exige cadeias logísticas complexas, pode potenciar aumentos de custos no abastecimento de proteínas e contribuir para agravar ainda mais os preços dos alimentos finais, tornando-os inacessíveis para os consumidores.

Todos perdemos com a diabolização da soja; a desflorestação, que tem de ser controlada e fiscalizada; a “due dilligence” ou seja, as auditorias jurídicas, para comprovar os compromissos, não tem de ser complexa e pode ser simplificada. Apenas há que entender a realidade e o funcionamento dos mercados. FEFAC, COCERAL e FEDIOL já mostraram que existem alternativas, estando disponíveis para trabalhar em conjunto com as instituições europeias. A imagem de uma pecuária sustentável e eficiente, ao encontro dos desafios societais, passa em grande parte por aqui.

Por último, o funcionamento da cadeia alimentar, neste caso os preços do leite.

Depois de muitas pressões e confrontados com os sucessivos agravamentos dos custos à produção, chegou o anúncio de aumentos de 3 cêntimos no pagamento do leite à produção. De facto, viveu-se em Portugal uma situação de paradoxo total: temos sido o único Estado-membro com uma redução nos preços à produção no último ano, contra uma tendência de subida nos nossos parceiros comunitários. Este aumento, repercutindo parte das subidas nos custos de produção, pode não ser suficiente para conter eventuais abandonos e quebras na oferta, mas é um sinal muito positivo.

Outro setor em crise profunda é o da suinicultura, para o qual não existem sinais de aumentos de preços, estimando-se perdas económicas significativas na conjuntura atual. Ainda, recentemente, Portugal assinou uma carta juntamente com a República Checa, num total de 14 países, no sentido de exigir medidas de apoio à Comissão Europeia e para a qual ainda não temos respostas concretas. Se olharmos para as perspetivas agrícolas de médio prazo, perante a PSA, e alterações no comportamento dos consumidores (saúde, ambiente ou bem-estar animal) estas impactam negativamente os setores das carnes de suíno e de bovino. Por outro lado, no frango temos assistido a uma redução da oferta, no sentido de conter os preços baixos, o que nos dá igualmente uma perspetiva do que podemos esperar para 2022, num cenário de instabilidade e incerteza.

O relançar da PARCA e das Comissões Consultivas no quadro do GPP, terão aqui um papel decisivo.

Precisamos igualmente de uma pasta da Agricultura forte, com dimensão política à altura da sua importância para o País e dos desafios para 2030, sendo essencial equacionarmos a oportunidade para um regresso a uma Secretaria de Estado com a pasta da Alimentação e Investigação Agroalimentar.

No próximo ano, vamos ter de olhar muito atentamente para estes dossiers, entre tantos outros, com destaque para o comportamento das matérias-primas, que poderão manter a tendência altista durante o primeiro semestre de 2022.

Veremos ainda se a inflação tenderá a ser mais estrutural, como afirmam os EUA e o Reino Unido, ou mais passageira, de acordo com o BCE.  Mas é preciso valorizar a alimentação e perceber que sem repassar os custos ao longo da cadeia alimentar, não é possível manter as empresas viáveis.

Porque uma das lições da pandemia foi a de que nada pode ser dado como adquirido. Muito menos a Alimentação.

Votos de um Santo Natal e Festas Felizes!

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA