Tempos de Incerteza, Tempos de Mudança?

Apesar da alimentação animal ter iniciado 2024, em termos globais, com melhores produções de alimentos compostos face ao período homólogo do ano anterior e nos estarmos a deparar com uma situação climatérica bem mais favorável, a instabilidade e a incerteza continuarão a ser, tal como desde 2020, a marca de mais um ano que se inicia.

As conjunturas, nacional e internacional, assim o indicam, não existindo sinais, por enquanto, de alterações significativas, pelo contrário.

Em Portugal, no rescaldo das eleições legislativas de 10 de março, temos uma maioria frágil no Parlamento e o Governo depara-se com um “caderno de encargos” muito pesado, que vai envolver negociações e cedências. Se tivermos em conta as reivindicações que se arrastam dos professores, médicos, forças de segurança, problemas na habitação, no SNS, ou na Agricultura, seguramente que não vai haver tempo para o tradicional “estado de graça”, pese embora o excedente orçamental.

Na economia e finanças, é urgente dar sinais de uma adequação da política fiscal à competitividade das empresas, reduzir os impostos, conforme prometido na campanha eleitoral; na agricultura, reconciliar o Ministério com os agricultores e a indústria agroalimentar, valorizar a produção nacional e o mundo rural; definir estratégias para o abastecimento de matérias-primas, com destaque para o dossier da SILOPOR, e promover a autossuficiência alimentar e a soberania. Tudo isto pressupõe uma boa articulação entre os titulares das pastas da Agricultura, Ambiente e Infraestruturas.

É possível e desejável a compatibilização da produção agrícola e agroalimentar com o ambiente, pelo que deve ser prosseguida a tão desejada simplificação da legislação europeia, que tem estado em análise no Conselho e no Parlamento Europeu.

Na frente interna, é ainda relevante que o futuro Ministro da Agricultura se empenhe em Bruxelas na revisão da Estratégia “Do Prado ao Prato”, bem como em apoiar dossiers tão relevantes para a Indústria, como a desflorestação, as Novas Técnicas Genómicas, a estratégia europeia para a proteína ou a revisão do PEPAC, com destaque para a operacionalização dos ecorregimes.

No quadro internacional, temos dois conflitos sem fim à vista, a guerra na Ucrânia que corre o risco de entrar numa nova escalada, com ameaças à defesa e soberania europeias, tensões entre agricultores, europeus e ucranianos, impacto no Mar Negro e no abastecimento global de matérias-primas, bem como o conflito entre Israel e a Palestina, que está a condicionar a estabilidade no Mar Vermelho, com a ameaça de um acréscimo de custos nos próximos trimestres. Rússia, China, Brasil, os BRICS, o Sul global, ameaçam o status quo internacional tal como hoje o conhecemos.

Temos ainda as eleições de junho para o Parlamento Europeu, em que podemos assistir a mudanças significativas, com um número elevado de eurodeputados radicais e extremistas, que se podem situar nos 25%, e, não menos relevantes, as presidenciais nos EUA, que podem configurar uma nova e difícil relação transatlântica. E um novo executivo em Bruxelas, numa configuração que vai ser ditada pelos alinhamentos políticos nos diferentes Estados-membros.

Não vai ser possível fugir aos grandes temas da sociedade: o combate às alterações climáticas, a transição energética e digital, a biodiversidade, a saúde e bem-estar animal, a sustentabilidade, nos seus diferentes pilares. Mas é urgente exigir que esses desafios sejam transformados em oportunidades, que a segurança e a autonomia e independência alimentar assumam as prioridades que merecem, que possamos ter uma cadeia alimentar a funcionar de forma equilibrada, e que sejam exigidas às importações de países terceiros as mesmas regras que a União Europeia impõe aos seus operadores.

O setor da alimentação animal continuará certamente sob pressão, a montante e a jusante, a trabalhar numa perspetiva de Fileira, para inverter a delapidação de efetivos e de produção a que temos assistido num passado recente. Uma vez mais, vai estar à prova a nossa resiliência, mas
também a otimização dos recursos e a eliminação das ineficiências, produtivas e de contexto.

Esperamos assim que estes tempos de incerteza possam representar tempos de mudança numa Europa que tem de se afirmar, pelo seu reconhecimento e grandeza, pelos seus valores, na difícil geopolítica mundial.

PS: Saudamos a entrada de duas novas empresas, a DIACO e a TLH, no universo da IACA; é deste reforço associativo que precisamos para enfrentar todos estes desafios.

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA