Nota de Abertura – Anuário 2022

Uma agenda para a indústria

Depois de dois anos de pandemia, em que a indústria da alimentação animal nunca parou devido ao esforço coordenado entre fornecedores e clientes, cumprindo o seu importante papel na cadeia alimentar, eis que o ano de 2022 nos coloca perante novos desafios que decorrem do impacto da bárbara invasão da Ucrânia pela Rússia.

No entanto, como chamámos a atenção ao longo de 2021, designadamente no âmbito da Presidência portuguesa da União Europeia, muitos dos fatores que influenciaram as subidas de preços e as dificuldades logísticas, com impacto brutal nos custos da alimentação animal, criando problemas de competitividade e viabilidade em toda a Fileira, já estavam bem presentes antes de 24 de fevereiro.

As condições climáticas que condicionaram a oferta de matérias-primas nas últimas campanhas, as compras pela China, a quebra de stocks, o aumento dos fretes, a crise energética, os transportes, a disrupção do funcionamento na cadeia alimentar, tudo isto se amplificou com a guerra, criando ainda mais incerteza e volatilidade, marcando claramente o ritmo da evolução da economia global e sobretudo ao nível da União Europeia, não sendo de excluir uma recessão.

De facto, fomos confrontados com preços de cereais que mais do que duplicaram face a 2020 e outros fatores como os fretes, os transportes, fertilizantes ou a energia que triplicaram, conduzindo a uma situação insustentável e que obrigou a apoios nacionais e da União Europeia, considerados insuficientes face à gravidade da conjuntura e ao seu impacto económico e social, com a subida da inflação para níveis a que não estávamos habituados, com impacto nas taxas de juro e no agravamento das condições de vida das populações.

Em Portugal discutimos no imediato com a Administração Pública alternativas ao abastecimento da Ucrânia, sobretudo no milho, com os cereais a serem provenientes do Brasil, Canadá, África do Sul, EUA e União Europeia, tendo existido a necessidade de se implementar derrogações aos Limites Máximos de Resíduos para garantir o abastecimento, que não foi posto em causa.

No entanto, a conjuntura que vivemos colocou a tónica nas questões de soberania e segurança alimentar e a ideia de que a Alimentação pode não estar garantida, devendo discutir-se com objetividade qual o papel da União Europeia no abastecimento do mercado mundial e se toda a estratégia consubstanciada no “Prado ao Prato” não deve ser repensada ou objeto de uma melhor avaliação, à luz da conjuntura vivida nos últimos três anos e de uma guerra sem fim à vista.

Tal não significa, de forma alguma, abandonar-se a agenda ambiental, de saúde e bem-estar animal ou o combate às alterações climáticas, mas insistir em acordos à escala global, envolvendo os parceiros como os EUA ou a China, ou importantes fornecedores de matérias-primas como o Brasil e Argentina em matérias tão relevantes como a biotecnologia, a redução das emissões ou o combate à desflorestação.

Numa altura em que se receiam cortes no abastecimento de gás e se vai implementar a poupança de energia para enfrentar o próximo inverno, um euro que desvaloriza face ao dólar e preços do petróleo em alta, não estando afastado o cenário de recessão para 2023, a incerteza e volatilidade dos preços das matérias-primas será uma constante, com uma forte pressão sobre a alimentação animal, sendo muito difícil o regresso aos níveis de preços de 2020 e uma redução sustentada nos preços ao consumo.

Nesta perspetiva, importa, pois, uma melhor atenção de Bruxelas e do Governo português às questões da agricultura, agroalimentar e alimentação, ao funcionamento da cadeia alimentar.

Temos de dispor de stocks estratégicos e garantir a existência de portos modernos e eficientes ao nível dos granéis alimentares e de aumentar a capacidade de armazenagem das empresas e das infraestruturas portuárias. Há que diversificar as fontes de abastecimento, o que significa a defesa do comércio livre e uma oposição às limitações à exportação. A tomada de decisões deve ser baseada em evidências científicas e não em ideologias, de forma a ser possível a utilização de todas as novas tecnologias para uma agricultura e alimentação animal de precisão, tendo em vista a promoção de práticas sustentáveis, nas quais se devem incluir a biotecnologia ou as novas técnicas de melhoramento de plantas, com aprovação sincronizada nos EUA, Brasil ou Argentina. Devemos continuar a discutir a dependência da Europa em proteína vegetal, mas debater e conhecer as vantagens e desvantagens dos biocombustíveis, a questão da alimentação versus energia e a promoção da economia circular. Precisamos de novas soluções nutricionais essenciais à alimentação de precisão, como algas, insetos ou produtos à base de plantas; ter uma estratégia coerente rumo à autossuficiência alimentar na cadeia da produção animal e promover as práticas da produção de alimentos numa lógica de “unidade produzida/recursos consumidos”.

Para além destes aspetos, em Portugal confrontamo-nos com a seca e o drama dos incêndios que representam igualmente uma oportunidade para a pecuária enquanto instrumento de ordenamento do território.

Tantos e tantos condicionantes e desafios, para os quais somos chamados a contribuir, reforçando o papel da indústria da alimentação animal na cadeia alimentar e na preservação de bens públicos, sendo necessária uma estratégia proativa de todos os intervenientes: empresas, universidades, investigação, Governo e Administração Pública.

José Romão Braz
Presidente da IACA

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