Nota de Abertura – Anuário 2020

O papel da alimentação animal no pós-COVID

Sejam bem-vindos à edição n.º 30 do Anuário da IACA, lançado em 1990.

O ano de 2020 ficará marcado para sempre na nossa memória pela COVID-19 e pelas alterações nas nossas vidas, por todas as transformações económicas e sociais profundas a nível mundial, provocando uma crise sem precedentes, que se vai refletir seguramente nos próximos anos.

Até que tenhamos um quadro mais seguro e estabilizado não será possível prever todas as consequências que o atual cenário pandémico nos trará, desenhando-se algumas alterações estruturais, como a digitalização, o crescimento do comércio on-line e local, o abastecimento de proximidade e de cadeias curtas, as novas formas de organização do trabalho e de relacionamento, desde logo, com fornecedores e clientes.

No entanto, apesar dos impactos sanitários e económicos globais catastróficos, já é possível refletirmos acerca das lições que podemos e devemos retirar.

Em primeiro lugar, importa realçar o reconhecimento do setor da Alimentação Animal como essencial, o que nos permitiu desenvolver a nossa atividade, sob rigorosos planos de contingência, mesmo durante o Estado de Emergência, em Portugal e no quadro da União Europeia, que se preocupou, e bem, com o funcionamento do Mercado Único.

Ficou assim demonstrada a capacidade das empresas do setor em manter o regular abastecimento às explorações pecuárias e estas aos respetivos clientes, sem que o consumidor tivesse sentido qualquer tipo de limitação no acesso aos produtos de origem animal ou à alimentação dos animais de companhia.

A cadeia de valor mostrou uma enorme resiliência e uma capacidade notável de trabalhar em conjunto, que lhe permitiu ultrapassar as dificuldades e constrangimentos, garantindo segurança e qualidade.

Por outro lado, é importante reconhecer a extraordinária resposta que o setor agroalimentar foi capaz de assegurar, reafirmando a sua vital importância em termos económicos e sociais.

Saiu reforçada a necessidade de continuarmos a apostar na autossuficiência alimentar, numa estratégia de soberania e de menor dependência, sobretudo de países terceiros, que pode ser determinante em momentos de crise, em que as cadeias logísticas podem ser afetadas.

Não deixa de ser igualmente importante refletir sobre a necessidade de se tomarem decisões com base científica, a partir da melhor informação disponível.

Todos sabemos que só com o aparecimento de uma vacina ou de um medicamento eficaz, em que a biotecnologia desempenha um papel relevante, será possível conter o surto a nível mundial e o regresso à normalidade. Devemos assim questionar porque é que estas tecnologias são aceites ao nível da saúde e da medicina e colocadas em causa ao nível da agricultura e da alimentação, sobretudo numa altura em que se desenvolvem novas ferramentas de melhoramento genético de plantas, como as novas técnicas genómicas, as quais poderão permitir aumentos de produtividade e uma melhor eficiência na utilização de recursos em diferentes condições edafoclimáticas, mitigando os impactos ambientais.

Se não harmonizarmos procedimentos à escala mundial, se continuarmos a politizar os dossiers, mesmo com avaliações e pareceres científicos favoráveis da parte de entidades científicas credíveis, como por exemplo a EFSA, estaremos confrontados com instabilidade e imprevisibilidade na cadeia de aprovisionamento de matérias-primas e perda de competitividade da Europa no mercado mundial.

Outro dossier relevante tem a ver com os acordos comerciais da União Europeia com Países Terceiros e que permitiram a deslocalização de empresas para outras latitudes, por exemplo para a China entre outros, criando evidentes situações de dependência. Não estão em causa futuros acordos, mas estes terão de ser mais equitativos, devendo aplicar-se as mesmas regras pelo menos ao nível da segurança alimentar, ambiente e bem-estar animal, sob pena de se criarem graves distorções de concorrência.

Com uma crise de mercado em diferentes setores, incluindo o da alimentação animal, o objetivo passa agora pelo plano de recuperação que teve uma resposta positiva da União Europeia.

No entanto, sabemos que a prioridade dos investimentos e o esforço financeiro vai passar muito pela economia “verde”, pelo combate às alterações climáticas, energias renováveis, bioeconomia circular, ambiente e sustentabilidade. Importa não esquecer os investimentos na modernização dos portos, reduzindo os custos das operações portuárias, e na ferrovia.

Por outro lado, tendo em conta o “Green Deal”, os apoios previstos no quadro do Horizonte 2030, a Estratégia “Farm to Fork”, a reforma da PAC, ou o plano de recuperação da Comissão “Next Generation EU” (provavelmente com critérios de desempenho), os agricultores e as empresas vão estar sujeitos a pressões adicionais para se atingirem os objetivos, pese embora alguma flexibilização nos diferentes Estados-membros. Espera-se que o orçamento seja adequado às ambições, não só nas ajudas diretas e no Desenvolvimento Rural, mas também na transição para uma economia verde, que se pretende justa e inclusiva, e nas verbas afetas à investigação, desenvolvimento e inovação.

Deste modo, a Visão 2030 da FEFAC que partilhamos na IACA e que assenta em três pilares, Segurança Alimentar, Nutrição Animal e Sustentabilidade, continua atual e teremos de reforçar a sua concretização, pois só dessa forma, com base na tecnologia e na ciência, conseguiremos responder aos desafios que temos pela frente.

A Inovação e a Investigação serão fundamentais para essa realização, pelo que o Laboratório Colaborativo FeedInov, que a IACA partilha com 18 parceiros, será um instrumento fundamental para o setor em Portugal e uma medida concreta que demonstra o nosso compromisso com as metas de um desenvolvimento sustentável.

A Alimentação Animal é, afinal, uma história de sucesso e, se considerarmos a diminuição dos índices de conversão nas últimas décadas, as projeções da produção que temos disponíveis, a economia circular da qual somos justamente designados de “campeões”, a aposta na valorização dos efluentes gerados na pecuária e o contributo essencial para a sustentabilidade do Mundo Rural, só podemos ter confiança no papel que continuaremos a desempenhar para garantir a sustentabilidade do Planeta e para consolidar a importância da proteína de origem animal não só no contributo para uma dieta equilibrada e saudável, mas também na garantia de uma alimentação para todos, considerando as previsões de crescimento da população a nível global.

Sabemos que os decisores políticos consideram que fazemos parte da solução e que confiam na alimentação e na nutrição animal, cada vez mais alimentação de precisão, para melhorar a saúde e o bem-estar animal, valorizar os coprodutos de outras indústrias, potenciar a utilização de matérias-primas alternativas, reduzir a utilização de antibióticos, melhorar a digestibilidade e logo a eficiência na utilização dos nutrientes, contribuir para a redução da utilização de fertilizantes e reduzir os impactos da produção animal no ambiente, sobretudo ao nível das emissões de gases com efeitos de estufa.

Independentemente das eventuais alterações dos hábitos de consumo que decorreram do encerramento do canal HORECA, os argumentos que apresentámos durante este período difícil e crítico da nossa existência e as soluções nutricionais já disponíveis no mercado, são sinais encorajadores quanto à resiliência e capacidade de adaptação da Indústria da Alimentação
Animal às exigências da Sociedade.

Porque não é possível pensar em Mundo Rural ou Biodiversidade sem produção animal, pelo impacto no território, contra a desertificação e o abandono, pelo aproveitamento dos recursos disponíveis, sobretudo ao nível dos ruminantes, ou em sistemas alimentares sustentáveis, sem a produção pecuária ou a aquicultura.

Por tudo isto, a Alimentação Animal terá um importante papel a desempenhar.

José Romão Braz
Presidente da IACA

Veja o anuário completo aqui.

Editorial
Editorial 2017
Editorial 2022
Editorial 2016
Editorial 2021
Editorial 2019
Editorial 2018