Capacidade de Adaptação

Como diria Charles Darwin “não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”. Esta frase está, hoje mais do que nunca, ajustada aos tempos que vivemos. Todos sentimos a dureza da atual conjuntura seja pelas dificuldades nos aprovisionamentos, seja nas escaladas dos preços, nos apoios económicos que não chegam e até nas condições climatéricas que também condicionam o desenvolvimento normal da fileira onde nos inserimos. São estes momentos que moldam os homens, as empresas e os setores. Momentos que exigem visão e determinação para estabelecer estratégias que nos permitam obter o posicionamento que se quer ter no futuro.

Desde março de 2020 que o mundo entrou num processo imparável de mudanças que começou com a pandemia provocada pelo Covid-19 e continua com a estúpida invasão à Ucrânia pela Rússia, iniciada em fevereiro de 2022. Embora sejam duas guerras muito diferentes para a Humanidade, ambas colocaram em causa muitos dos princípios e fundamentos da vivência política económica e social do mundo. Na realidade o mundo caminhava, antes destes dois eventos, para uma globalização económica, onde tudo era influenciado, desde as práticas económicas e sociais e, até, o pensamento e forma de atuar de todos. Agora tudo aponta para uma nova realidade e a afirmação de Putin de que, depois desta guerra, o mundo não voltará a ser o mesmo, parece que tem todo o sentido. Hoje, as questões da agenda mediática alteraram-se e colocam-se em causa muitas políticas estratégicas anteriormente seguidas.

Veja-se o caso da energia (eletricidade, gás e petróleo) e a dependência de grande parte da Europa dos fornecimentos russos. Veja-se a falta de componentes eletrónicos e microchips, por dependência da indústria chinesa e da cadeia de abastecimentos mundial. Para agravar tudo isto veja-se, também, a dependência europeia do abastecimento de cereais e fertilizantes produzidos na Ucrânia e na Rússia. São muitas as questões que estão em cima da mesa e que têm que forçosamente obrigar o mundo e a UE a adaptar-se a esta nova realidade. Ao setor agroalimentar preocupa tudo isto e, mais ainda, quando sabemos que muitos fundamentalismos sociais têm empurrado a UE para uma visão populista, onde a ciência é colocada de lado. Temos que continuar a demonstrar que as lutas que a IACA tem assumido ao longo dos tempos são agora ainda mais atuais e que merecem muito mais atenção quer dos políticos quer da sociedade. O nosso setor é um elemento vital para garantir a sustentabilidade económica, política e social e tem sido muito fustigado por fundamentalismos bacocos e muitas vezes, voluntariamente ou não, manipulados em função de interesses pouco claros. Como exemplo podemos falar dos estudos publicados pela FAO (2006) que já se demonstrou estarem mal elaborados e que colocavam a produção animal como um dos maiores emissores de gases de efeito estufa. Foi provado que estavam errados, mas ainda hoje condicionam o pensamento mundial. Se há setor que se tem adaptado às exigências da sociedade, o agroalimentar e em especial a alimentação animal, tem sido um deles. Evoluímos criando alternativas aos alimentos com farinhas de carne; evoluímos encontrando soluções ao uso de moléculas que permitiam mais produção mas colocavam em causa o ambiente; evoluímos criando políticas de uso responsável de antibióticos nos animais; evoluímos com novas práticas e políticas de bem-estar animal; evoluímos ao condicionar o uso de matérias-primas oriundas de desmatações em áreas sensíveis para o ambiente ; evoluímos sendo um setor que deveria ser considerado verde, tal é a quantidade de subprodutos de alimentos para humanos que reciclamos, transformando-os em alimentos para animais, criando uma verdadeira economia circular.

A nova ordem mundial obrigará a novas adaptações e a uma maior racionalidade nas decisões e nas estratégias. A UE vai ter que se adaptar a essa nova realidade e terá que rever as políticas de produção agrícola e animal, usando a ciência, a sustentabilidade, a segurança alimentar e a proximidade das produções como vetores essenciais para a sua autonomia económica, política e social. A globalização foi parada e, como já outros afirmaram, a emergência de blocolização é mais que evidente. A produção de alimentos de forma racional, científica e sustentável tem que prevalecer na UE, sob pena de ficarmos ainda mais dependentes de outros blocos económicos, expostos a pandemias e guerras e, depois, a comer o que outros quiserem que comamos, da forma como entenderem produzir.

Termino esta minha reflexão deixando um grande abraço de parabéns ao nosso Jaime Piçarra recentemente galardoado pela CESFAC (Associação Espanhola dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais) como personalidade do ano pelos trabalhos desenvolvidos em prol do setor ibérico de alimentação animal, em representação da IACA. É a demonstração do reconhecimento internacional do Engº Jaime Piçarra e da IACA, o que muito nos orgulha e anima a continuar.

António Santana
Diretor da IACA