A certeza de que podemos contar com a indústria
O tema de capa desta edição da Revista é dedicado às perspetivas para 2023, numa conjuntura ainda de grande volatilidade e incerteza, desde logo com a alta dos custos de produção e todos os consumos intermédios, uma inflação que não vivíamos há 30 anos, com um impacto dramático na vida das empresas e nos cidadãos, seja nos juros, nos salários, ou na perda de poder de compra.
É verdade que há cerca de um ano, no inicio da invasão da Rússia à Ucrânia, a situação era tensa e de enorme gravidade. Para além dos custos das matérias-primas, energia, combustíveis, transportes, embalagens, de uma clara disrupção nas cadeias de abastecimento a nível global, ainda no rescaldo de dois anos de pandemia, confrontámo-nos com stocks de cereais para menos de duas semanas, encontrar alternativas rápidas e sustentáveis ao mercado da Ucrânia – o nosso principal fornecedor – contornar regras restritivas que são impostas a países terceiros, trabalhar e cooperar ao longo de toda a cadeia de abastecimento, no sentido de evitar ruturas e não ter alimentos para alimentar milhões de animais, de produção ou de companhia, com consequências ainda mais inimagináveis na produção de carne, leite e ovos, essenciais na alimentação dos portugueses.
Esteve em causa a soberania alimentar.
Naturalmente que os preços dos alimentos para animais passaram para segundo plano, uma vez assegurados os fluxos de aprovisionamento, as matérias-primas, macro e microingredientes, tiveram um período histórico de volatilidade e instabilidade, os preços dos alimentos entraram numa escalada de subida, mas a Indústria nunca conseguiu repercutir todos os aumentos, num ano de 2022 particularmente penoso para Indústria e Pecuária.
Tudo isto, apesar dos milhões de ajudas à produção, nacionais e europeus, para mitigar os custos de produção, a suspensão do IVA nas rações e fertilizantes – que se vão prolongar ao longo de 2023 –, e as ajudas às famílias, a inflação seguiu em alta porque, já o sabíamos, existem preços de reposição, os ajustamentos dos mercados não são imediatos, tivemos o impacto da seca, de doenças como a gripe aviária na avicultura, a peste suína africana nos porcos, reduções de efetivos, os custos da pecuária ainda são elevados, as margens relativamente reduzidas e penalizam a Fileira da Alimentação Animal.
Tendo sido assegurado o aprovisionamento do setor, pese embora os constantes sobressaltos das greves nos portos ou o funcionamento da SILOPOR, a conjuntura atual é diferente, talvez mais distendida mas não comporta menores riscos. Existe alguma tendência para a redução dos preços do gás e energia,
mas o petróleo deverá prosseguir em alta; os cereais têm denotado sinais de algum abrandamento mas o setor aprovisionou-se a preços elevados, quer de milho, trigo ou cevada, e a proteína segue firme e altista. Nos aditivos e vitaminas, temos uma forte dependência da China e a incerteza continua. Ao nível do consumo, pese embora assistamos a uma ligeira retração da inflação, na alimentação os preços continuarão elevados e há que saber gerir as expectativas quanto ao impacto das recentes medidas IVA ZERO no cabaz de alimentos.
Muito provavelmente, teremos custos que vieram para ficar e que dificilmente, por razões estruturais, de mercado global ou devido aos custos de contexto, regressarão aos níveis de 2021. E não sabemos qual será o futuro alinhamento geopolítico e geoestratégico do pós-guerra ou as consequências do resultado
das eleições europeias e norte-americanas em 2024. O que sabemos é que as tensões provocadas pela invasão da Ucrânia, os apoios do Ocidente e as sanções à Rússia irão influenciar negativamente a conjuntura em 2023.
Por outro lado, temos ameaças de Bruxelas nesta transição energética, da implementação do Green Deal, da Estratégia do Prado ou Prato, do PEPAC, de uma crescente pressão do ambiente sobre a agricultura e a pecuária, com impactos na produção, os ataques sucessivos à produção e consumo de bens de origem
animal ou novas abordagens legislativas como a relativa às cadeias livres de desflorestação, o bem-estar animal ou “o fim das gaiolas”, que tenderão a colocar em causa a competitividade e sustentabilidade da Fileira, tal como a conhecemos hoje.
É, pois, urgente uma abordagem de base científica e reconhecer a importância da atividade na economia circular, de que fomos pioneiros enquanto setor, o contributo da pecuária no desenvolvimento equilibrado no território, na fixação de pessoas no interior, no futuro do Mundo Rural. A relevância da agropecuária na produção de alimentos e na sua valorização, no mercado interno e externo.
Aparentemente, o que conhecemos de Bruxelas, é um claro retrocesso civilizacional que só pode ser travado pela inovação, conhecimento, investigação, interligando as empresas, com a academia e a investigação. Em nome da verdade e de uma escolha livre, informada e consciente.
É precisamente isso que a Indústria da alimentação animal, seja pela criação do FeedInov, seja em ligação com a FEFAC (GFLI, pegada ambiental, estratégias nutricionais sustentáveis), as iniciativas em que a IACA está envolvida no quadro dos PRR (InsectERA, economia circular, resistência antimicrobiana) ou o nosso papel na elaboração do regime ecológico do PEPAC sobre a eficiência alimentar, demonstram que o setor continuará ativo, empenhado e resiliente.
Porque sabemos que podemos ser e somos parte da solução.
Essa é certamente a única certeza para este e para os próximos anos.
A de que a Sociedade, mas sobretudo a pecuária, podem contar com a Indústria da Alimentação Animal.
António Isidoro
Diretor-Executivo da IACA