Com o mundo mergulhado numa crise sem precedentes, Paulo Portas, vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), admitiu no webinar “Ecossistema das marcas: E depois do COVID-19?”, organizado em conjunto com a Centromarca, que “o pior que poderia acontecer-nos, era sair desta crise sem ter aprendido nada”.

O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal do Governo de Pedro Passos Coelho, criticou, de certa forma, a burocracia europeia comparada com a maior flexibilidade das economias anglo-saxónicas. E deu o exemplo dos EUA que já injetaram mais de 3 biliões de dólares na economia quando a União Europeia ainda discute a forma como o dinheiro chegará aos vários Estados-Membros.

“A Ásia leva um mês de avanço relativamente à Europa que, por sua vez, leva um mês e meio de avanço sobre a América. Contudo, o mundo anglo-saxónico leva avanço sobre a Europa porque mais rápida a tomar decisões e isso fará com que, apesar de poder cair mais, possa levantar-se mais rápida e facilmente”.

Mas, mesmo na Europa, há quem seja rápido e Portas deu o exemplo da Alemanha. “A Senhora Merkel não vai esperar. Na Europa, com a pandemia a chegar em fevereiro, a decisão da Comissão Europeia só deverá chegar em junho. Ora, a Alemanha, a economia e empesas alemãs não estão na disposição de esperar tanto tempo”.

Mas, como diz Paulo Portas, “fazer projeções, neste momento, é entrar em ‘advinhações’”, salientando que existem várias curvas que podem ser lançadas para cima da mesa. “Ele há curvas em U, em L, em V, em I e agora até em formato de logo da Nike”, destacando Paulo Portas que não existe nenhuma letra que possa caracterizar a recuperação desta crise.

Certo é que se trata de uma crise económica e não financeira e, por isso, fundamental para se conseguir sair desta crise é o comércio. “O mundo para continuar a crescer precisa de comércio”, garantiu Portas, fazendo referência a outro ponto importante: “o investimento”.

“Depois disto, todos vão querer fazer comércio e Portugal, cujo PIB já assenta em 44% nas exportações, terá de aproveitar o que fez até aqui”. Certeza que existe, também, é que não existe crises locais, mas sim globais. “Veja-se o turismo e o impacto que esta crise tem no setor em Portugal e em todo o mundo”, referiu o vice-presidente da CCIP.

“O nosso turismo está assente em 60% de turistas estrangeiros e 39% em turistas nacionais”, salientando Portas que a aposta terá de passar pela máxima do “Vá para fora cá dentro”. O problema para ex-governante é que, “todos os nossos concorrentes na área do turismo – Grécia, Espanha, França, Croácia – vão fazer o mesmo e como foi um dos primeiros setores a cair, também será um dos últimos a sair da crise, já que não vejo a Europa com grande vontade de abrir fronteiras a breve trecho”.

Um dos pontos também destacados por Paulo Portas neste webinar foi o alargamento dos apoios ao setor do turismo, “já que ninguém consegue fazer previsões para daqui a três semanas, quanto mais para daqui a três meses”.

Com a crise veio, uma certeza: o mundo tornou-se mais digital, afirmando Portas que “a digitalização é prima da globalização”, admitindo mesmo que “metade da economia que sobrevive é devido à digitalização”.

A par da digitalização, também a reindustrialização foi tema para Paulo Portas e uma vez de fronteiras fechadas, Portugal poderá ter aqui uma oportunidade para renovar o seu tecido industrial e produtivo. Até porque, segundo Paulo Portas, o “’Made in Portugal’ assumirá uma importância essencial no como sairemos da crise”.

Marcas como companheiras de viagem

Para as marcas, Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca, “se há um ano se discutia que o mercado não crescia, que iríamos ter novos operadores e que isso iria fazer com que cada operador iria ter uma fatia menor do bolo, agora podemos dizer que nos próximos tempos esse bolo será efetivamente mais pequeno”.

Assim, para a associação das marcas de fabricante, o bolo mais pequeno vai dar azo “a uma luta mais acesa, ao investimento no preço e na prateleira, uma competição que vai motivar tensões ou novas tensões, uma competição que poderá levar à tentação de reacender alguns atalhos que já estavam esquecidos nos últimos tempos, mas que poderão regressar rapidamente”, afirmou Pedro Pimentel.

Classificando esta situação de “atípica e excecional”, o diretor-geral da Centromarca referiu que os comportamentos que temos são “normais de uma situação atípica e são os expectáveis num momento de exceção”.

O ponto fundamental deste tal “novo” normal é efetivamente a explosão do e-commerce, estando, no entanto, em linha com o que acontece com as compras físicas, “há um crescimento que não gera aumento de compra, mas antes, uma transferência de compra”. Até porque, segundo Pimentel, “no e-commerce está a partir-se de uma base muito baixa, ou seja, antes da crise, cerca e só 1% das compras eram feitas online. Portanto, se falarmos de um crescimento de 400%, falamos de passar de 1 para 5%”.

O segundo ponto é que, dos grandes operadores de retalho alimentar em Portugal, grande parte do mercado não tem presença no comércio online. “Isto poderá levar, nos próximos tempos, a dois movimentos que poderão levar ao crescimento da quota do digital: por um lado, o comportamento das pessoas, que tendencialmente comprarão mais online, por outro, a resposta das próprias cadeias que, hoje não tendo comércio online, o adotarão muito rapidamente”, admite Pedro Pimentel.

Com a crise a trazer consequências mais duradouras, na forma como agimos e comportamos, parece inevitável que o consumidor se torne mais digital, menos social e mais isolado, salientando o diretor-geral da Centromarca que “ninguém vai viver melhor nesta fase”.

As marcas, se já o foram, nesta fase vão ter de se mostrar como “verdadeiras companheiras de viagem das pessoas”, concluindo Pedro Pimentel que “temos de fazer com que este casamento entre marcas e consumidores funcione e que funcione não só nos bons momentos, mas também nos maus momentos. As marcas vão ter de mostrar muita humildade, relevância, perceber os problemas dos consumidores e não exagerar naquilo que é uma mensagem que pode ser entendida como excessiva num período em que as pessoas passam dificuldades”.

Ou seja, “cabe também às marcas mostrar que há um túnel, mas que existe uma luz ao fundo desse túnel”.

Fonte: Distribuição Hoje